Construção: Da Tradição à Inovação – O Caminho para Um Setor mais Ágil e Sustentável
O futuro da construção depende da capacidade de combinar agilidade com conhecimento.
A construção civil é, por natureza, um sector ancorado na tradição. Os seus processos continuam, na maioria dos casos, a seguir o modelo «em cascata», em que cada fase – da viabilidade à entrega final – decorre de forma sequencial. Embora esta abordagem seja lógica e previsível, revela-se limitada quando confrontada com a realidade: riscos imprevistos, falhas de coordenação, ambiguidade contratual e atrasos que comprometem prazos e orçamentos.
Num mundo em aceleração, em que a flexibilidade e a capacidade de adaptação se tornaram determinantes, essa rigidez converte-se num obstáculo significativo. É neste contexto que as metodologias ágeis – já amplamente empregues no desenvolvimento de software – se perfilam como fonte de inspiração para o setor da construção. A divisão do projeto em sub-projetos – «sprints» – permite uma execução progressiva: testam-se soluções, ajustam-se requisitos e aproxima-se o cliente da tomada de decisão. Em vez de um plano fechado e estático, a obra evolui de modo mais dinâmico, colaborativo e adaptável.
Métodos como o Scrum, o Kanban e o Lean Construction podem transformar, de modo significativo, a forma como se constrói. O Scrum segmenta o projeto em fases concretas e mensuráveis; o Kanban permite controlar em tempo real o progresso e os recursos; o Lean orienta-se pela eliminação de desperdícios e pela optimização da produtividade. Instrumentos distintos, mas convergentes num objetivo comum: tornar o setor mais inteligente, mais previsível e mais alinhado com as necessidades do cliente.
Contudo, a transição para esta nova mentalidade não é simples. A cadeia de valor continua fortemente fragmentada, a coordenação entre os diversos intervenientes mantém-se débil e a oferta de formação especializada é ainda muito reduzida. A isto acresce o facto de muitas fases e tarefas de um projeto de construção serem fortemente interdependentes – condição que dificulta a opção por entregas incrementais ou ciclos curtos – e a prevalência de contratos com preço global fixo, que por vezes se revelam incompatíveis com uma abordagem ágil. Apesar de já existir evidência de que a aplicação de metodologias ágeis no setor da construção melhora a flexibilidade, a colaboração e a transparência do projecto, persistem desafios de natureza humana e cultural.
A resistência à mudança não é meramente técnica; é, antes de tudo, cultural. A inovação no setor continua modesta quando comparada com outros setores. A adoção de práticas que permitam maior adaptabilidade e comunicação contínua ainda está longe de ser norma. Vários estudos sublinham que o setor da construção enfrenta uma aceitação lenta das metodologias ágeis.
As causas são conhecidas: a predominância de pequenas e médias empresas com limitações financeiras, práticas conservadoras e défices de mão-de-obra qualificada. O resultado é um ciclo de inércia – investe-se pouco porque os retornos são incertos; os retornos mantêm-se incertos porque se investe pouco.
Para inverter esta tendência, torna-se fundamental uma estratégia integrada, em que empresas, universidades e governo atuem de forma concertada.
Ao nível organizacional, importa formar equipas multidisciplinares, reforçar a capacitação técnica e adotar sistemas de gestão em tempo real.
Ao nível governamental, devem ser criados incentivos fiscais, programas de apoio à I & D e revisões regulamentares que favoreçam a experimentação e a adoção de novas práticas.
Neste esforço de transformação, há um motor de inovação que Portugal não pode desperdiçar: o doutoramento. Longe de se limitar a um exercício académico, o doutoramento (PhD) constitui um instrumento de criação de conhecimento e de transferência tecnológica. Um doutorando em engenharia civil, por exemplo, pode investigar soluções de construção modular sustentável, impressão 3D de edifícios, materiais ecológicos ou modelos de planeamento inteligente com recurso a BIM, inteligência artificial ou gémeos digitais – gerando não só novos saberes, mas também valor económico e impacto social.
Além de produzir conhecimento, o doutoramento forma profissionais com pensamento crítico, autonomia e capacidade para resolver problemas complexos – competências que reforçam a capacidade do setor. Quando bem orientado e devidamente financiado, um PhD pode servir de ponte entre as universidades e o mercado, transformando ideias em soluções práticas.
Para que isto aconteça, é necessário um ecossistema que apoie a investigação aplicada: universidades dispostas a colaborar com empresas; políticas públicas que financiem projetos conjuntos; e empresas prontas a acolher doutorandos e a integrar o conhecimento gerado nos seus processos.
O futuro da construção dependerá, portanto, da capacidade de combinar agilidade com conhecimento. Ser ágil sem inovar é apenas improvisar; inovar sem agilidade é teoria sem impacto. O verdadeiro desafio – e, ao mesmo tempo, a oportunidade – reside em alinhar estes dois vetores sob uma visão comum: uma construção mais eficaz, mais sustentável e mais humana, capaz de responder às exigências sociais, ambientais e económicas do século XXI.
Em última análise, construir não é apenas erguer edifícios; é erguer soluções que perdurem, que respeitem o ambiente e que traduzam o melhor da inteligência coletiva.
Autor: Bruno de Carvalho Matos (Engenheiro Civil)
In Observador
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