Milagre do emprego está a chegar ao fim e já atinge turismo, indústria e construção
Emprego total ainda sobe, mas em setores que, no seu conjunto, representam mais de metade do mercado laboral português, destruição e estagnação já é uma realidade.
A expansão do emprego em Portugal está a perder gás a olhos vistos: a criação líquida de postos de trabalho começou a cair em vários setores que, no seu conjunto, valem mais de metade do mercado de trabalho nacional, mostram cálculos do DN/Dinheiro Vivo a partir dos dados do novo Inquérito ao Emprego do Instituto Nacional de Estatística (INE).
No período em análise, entre o segundo trimestre de 2023 e igual período deste ano, em setores intrinsecamente ligados ao turismo como alojamento (hotelaria, incluída) e restauração, a quebra no emprego foi de 9,1%, a maior desde o segundo ano da pandemia (2021); a indústria transformadora acumula já quatro trimestres consecutivos de esvaziamento laboral, tendo destruído 1,6% de empregos; o número de postos de trabalho no setor da construção, que desde o final de 2020 esteve sempre a crescer de forma elevada, estagnou (0%) no segundo trimestre.
É verdade que o emprego total cresceu 1% no período em análise, batendo um novo máximo da série INE, mas já há analistas a avisar que a fase de forte expansão laboral que o país experimentou nos últimos três anos – desde a pior fase da pandemia que o emprego tem sempre crescido, e que permitiu atravessar a crise inflacionista com menos danos – “parece estar a esgotar-se”.
O volume de desemprego parece estar a aguentar, tendo, em todo o caso, subido 0,8% no segundo trimestre, depois de um alívio nos primeiros três meses deste ano. Há agora, diz o INE, 332 mil pessoas sem trabalho, mas que procuraram ativamente emprego e estavam disponíveis para trabalhar. A taxa de desemprego, que mede o peso deste grupo no total da população ativa, estabilizou em 6,1% depois de dois trimestres de queda.
Segundo Vânia Duarte, economista do departamento de estudos do BPI, observa que “a população empregada mantém uma trajetória positiva no segundo trimestre”, mas “em desaceleração”.
“A recuperação face ao período pré-pandemia é expressiva, com mais 291 000 postos de trabalho do que no final de 2019 (mais 6,1%)”, mas “apesar do registo positivo, não deixa de ser relevante notar que o crescimento do emprego parece estar a esgotar-se: o crescimento homólogo de 1% (e de 48 500 pessoas) compara com os 2,8% (mais 139 700 pessoas) no trimestre homólogo”, observa a analista.
A economista indica que “o aumento homólogo é explicado, em larga medida, por duas atividades económicas no setor dos serviços”: “Os principais contributos positivos para o crescimento homólogo do emprego vieram do comércio e reparação de veículos automóveis e motociclos (mais 44 700 pessoas) e da educação (mais 38 100)”.
Em contrapartida, em sentido negativo, destaca-se “a queda no setor do alojamento e restauração (menos 31 100 pessoas empregadas neste setor na comparação homóloga)”.
Mas há pontos positivos. Segundo Vânia Duarte, “os indicadores do emprego parecem apontar para uma estrutura mais favorável. Mais concretamente, a criação de emprego foi especialmente relevante no caso dos indivíduos com ensino superior completo, verificando-se até uma queda do emprego nos níveis básicos de escolaridade. Outro aspeto relevante prende-se com a criação de emprego com contratos sem termo (face a uma queda do emprego em contratos precários) e a tempo completo”.
Seja como for, “a robustez do mercado de trabalho deverá continuar”, mas com “menos vigor”. “O emprego deverá continuar a evoluir de forma positiva este ano, mas a um ritmo mais lento do que os 2,6% registados, em média, nos últimos três anos, uma dinâmica explicada pela desaceleração da economia em 2024, a incerteza (em termos económicos, financeiros e geopolíticos) e os custos ainda elevados”, acrescenta a analista do BPI.
Numa nota enviada aos jornais, Isabel Roseiro, diretora de marketing da consultora de recursos humanos Randstad Portugal, refere que os dados do INE “mostram algumas surpresas, nomeadamente no setor hoteleiro, onde se registam descidas contrárias à tendência do setor dos serviços, o único que tem vindo a apresentar resultados positivos no crescimento do emprego”. “Contudo, há um crescimento global do emprego que é muito positivo e que continua a registar níveis históricos”.
“O setor alojamento, restauração e similares registou uma diminuição de 2,1%, o que contraria a tendência de sazonalidade comum a países que, como Portugal, têm uma forte indústria turística”, sobretudo nesta altura do ano, diz a análise da Randstad.
Autor: Luís Reis Ribeiro
In Diário de Notícias
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